quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Livros e óculos

SÉRGIO DA COSTA RAMOS

Um livro e a mancha as letras alinhadas e organizadas para formarem as páginas, os capítulos, os romances, os contos. Pede-se, cada vez mais, letras maiores e mais nítidas quem lê sabe que a mancha vai se tornando uma nódoa, um borrão, a exemplo daqueles aparelhos de oftalmologistas, em que elas aparecem cada vez menores e embaciadas, em degraus decrescentes.

É quando apelamos para “os óculos”.

Quem teria sido o genial inventor desse cavalete de aumento, encilhado sobre os nossos nasais, a serviço da compreensão?

Alberto Manguel, o leitor mais compulsivo do mundo – que já leu quase tantos volumes quanto os contidos na maior biblioteca do planeta, a do Congresso americano –, tem um calo sobre o terço médio da face, onde fica o nariz. Para ele, um órgão mais útil por sustentar suas lentes do que por servir ao exercício da respiração. Manguel, até hoje, se espanta com essa “invenção”:

– É emocionante imaginar o alívio do primeiro humano de óculos. Um sexto de toda a humanidade é míope. Entre os leitores, a proporção é muito maior: 24%.

Aristóteles, Lutero, Schopenhauer, Goethe, Schiller, Keats, Tennyson, Yeats, Unamuno, James Joyce e a imensa maioria dos gênios e dos escritores tinham os olhos fracos. O próprio Manguel, que ficou famoso por ter sido a muleta focal de Jorge Luis Borges – para quem lia todos os dias, quando jovem – já não pode ler como antes, a não ser esgueirando as lentes junto à “mancha”.

Voltando à inquietante questão: quem teria inventado os óculos – essa utilidade tão preciosa e “plural”?

Parece que, como o avião – que tem mais de um pai, além do brasileiro Santos Dumont –, os óculos também têm vários “progenitores”. O primeiro pode ter sido um certo Spina, monge da Idade Média, de quem se dizia que “fazia óculos e ensinava essa arte de graça para os necessitados”. O inspirador de Spina pode ter vindo da Idade Antiga – e ter sido ninguém menos do que o imperador Nero – louco, míope e fascinado por prismas.

Oficialmente, o inventor dos óculos foi um certo Salvino degli Armati, cuja lápide, na parede da Igreja de Santa Maria Maggiore, em Florença, chama-o de “O inventor dos Óculos”, e acrescenta: “Que Deus o perdoe e se apiede de seus pecados, incluído o da bisbilhotice. A. D. 1317.”

Claro que perdoamos tudo ao bom e curioso inventor. Apenas 11 anos depois da Bíblia de Gutemberg, em 1461, fabricantes de óculos ficaram conhecidos em Estrasburgo, Nuremberg e Frankfurt, onde os vidrinhos mágicos já eram oferecidos nas ruas. Os óculos tinham virado artigos de camelotagem, em plena Idade Média!

De tão úteis, esses aros envidraçados ainda não cogitam de aposentadoria, mesmo diante da ameaça do Kindle, o novo e revolucionário “armazém” de livros da Amazon.

O aparelhinho é um inacreditável “mostrador” de e-books – e, claro, dispensa os óculos. Se os olhos do leitor estão cansados, o Kindle aumenta a letra até que esta possa ser lida por alguém quase cego.

Como até a morte serei fiel aos livros de papel, os meus “oclinhos” continuarão fazendo parte da minha caveira – aqui e além. Amém.

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